Dicas dos Livreiros

 

 EU SEI PORQUE O PÁSSARO CANTA NA GAIOLA

Maya Angelou
Astral Cultural

Em uma passagem de Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, o modo como a pequena narradora dribla as cenas impostas pela segregação dos Negros nos EUA, quando vai ao dentista com sua avó, por exemplo, nos toca e nos enternece profundamente. Maya Angelou, nascida Marguerite Ann Johnson, foi uma poeta, escritora e roteirista estadunidense muito ligada à luta por direitos civis do povo negro. Criada pela avó paterna, Momma, em Stamps, no Arkansas, Sul dos EUA, aos 13 anos, Maya vai morar com a mãe, Vivian Baxter, em St. Louis. Sua escrita poético-autobiográfica nos incorpora a uma infância de aromas ricos e diversos. A memória do mercado de doces, batatas, cebolas, onde os trabalhadores negros catadores de algodão se encontravam e os adultos sussurravam segredos uns aos outros nos chega de modo vivo, envolvente. Na década 30 e 40, período em que a história se passa, a segregação na estrutura social norte-americana não era apenas de raça, era também de gênero. “Se crescer é doloroso para uma garota negra do sul, estar ciente do seu não pertencimento é a ferrugem na navalha que ameaça a garganta”. Seu olhar alerta é quase uma objetiva ao captar a atmosfera de sombras desse período de sua vida. É pela escrita que Maya Angelou sublima a experiência do racismo e do abuso para chegar ao estatuto de mulher livre e autônoma. Sua história é cheia de dor, mas é também impressionante e linda. Publicado em 1969, esse livro é uma potente representação de Mulheres Negras, autoras, sujeitas e donas de suas próprias histórias.

 

MINHA CASA É ONDE ESTOU

Igiaba Scego
Editora Nós

Igiaba Scego tem uma forma tocante de buscar sua ascendência somali. A história começa com ela, o irmão e o primo conversando sobre suas cidades de nascimento. Ao se dar conta de que desconhece a origem de sua família, afinal, Roma é a cidade onde nasceu e cresceu, a narradora de Minha casa é onde estou, a própria Igiaba, empreende uma espécie de arqueologia das memórias para compor sua genealogia familiar. A partir do desenho de um mapa da cidade de origem de seus familiares, ela busca esses lugares, quer pensar sobre eles, senti-los, e vai juntando as referências do seu cotidiano italiano nesse percurso precioso que nos permite a memória. O livro se estrutura de modo muito interessante, pois a fronteira entre a identidade italiana e somali da narradora parece se movimentar também para um relato que se situa entre o conto e a autobiografia. Igiaba revela uma Itália e uma Somália por meio de uma topografia auto ficcional afetiva, “que se torna, a um só tempo, o desenho de uma memória pessoal e coletiva”. Essa obra belíssima foi publicada no Brasil em 2018 pela distinta Editora Nós, que fez uma edição com orelhas invertidas e projeto gráfico especialmente desenvolvido para a autora italiana. Livros como esse nos permitem deslocar o olhar “geográfico, linguístico, psíquico e literário”, nos elevando a uma nova perspectiva da nossa condição humana.

 

ÁGUA VIVA: EDIÇÃO COM MANUSCRITOS E ENSAIOS INÉDITOS

Clarice Lispector
Rocco

Água viva, publicado em 1973, seja, talvez, a obra mais autobiográfica e a mais misteriosa da bibliografia de Clarice Lispector. A história não tem narrador, o romance nos aponta uma narrativa desestruturada onde narradora e personagem se confundem. Uma pintora que se vale da escrita para tentar apreender o agora. O tempo, os sonhos, as flores, a vida e a morte, os estados íntimos da alma, o próprio ato criativo, tudo é matéria para as infinitas reflexões dessa solitária artista. Para Ana Maria Agra Guimarães, estudiosa da obra de Clarice, esse romance que se coloca como poética da morte e do despedaçamento, também é um livro de caráter revelador, experimental e até antiliterárioÁgua Viva é como se fosse a representação da insuficiência da palavra para dar conta das experiências humanas, especialmente as mais íntimas. Quero possuir os átomos do tempo. E quero capturar o presente que pela própria natureza me é interdito nos revela a personagem narradora nessa espécie de carta escrita para um interlocutor masculino, em um estilo fortemente sensorial que nos remete ao Simbolismo. Clarice é uma escritora que nos convoca enormemente para a vida. Seu trabalho inventivo com a linguagem, como os deslocamentos gramaticais, por exemplo, “O é da coisa” oferece ao leitor um texto extraordinário, intuitivo, enigmático ao qual nos lançamos dispostos a apreendê-lo também como um momento presente, a decifrá-lo mesmo sabendo que as conclusões se desfazem como neve na ponta dos dedos.

 

CLARICE FOTOBIOGRAFIA

Nádia Battella Gotlib
Edusp

Primorosa Fotobiografia, publicada incialmente em 2007, e concebida pela professora Nádia Gotlib, que ao longo de vários anos, reuniu imagens de Clarice Lispector em arquivos diversos, percorrendo os lugares onde a autora morou como Ucrânia, Recife, Itália, Suíça, Inglaterra, Estados Unidos, Maceió, Rio de Janeiro. Esse livro precioso também é resultado de vasta pesquisa a diversos arquivos em bibliotecas, hemerotecas e museus que possibilitou rica documentação de época que permitiu a contextualização da obraA história de Clarice nos chega por meio de fotografias, acompanhadas de legendas e comentários edistribuídas em sequência cronológica, de acordo com os espaços habitados ou visitados pela escritora. Das inúmeras obras sobre nossa querida Clarisse Lispector, esse é um trabalho de rara beleza com o qual nos presenteia a Edusp, importante casa editorial do nosso país.

 

PRISIONEIROS DA GEOGRAFIA PARA JOVENS LEITORES

Tim Marshall
Zahar Editora

Livro maravilhoso que em 12 mapas tenta explicar perguntas que jovens leitores podem ter a respeito das potencialidades e das limitações de vários países e regiões através do globo. Será que a geografia explica a riqueza de uma nação? A geografia sabe o porquê de algumas regiões estarem sempre tão instáveis, imersas em guerras e conflitos? Iremos da vasta e gélida Rússia até o nosso Brasil e entender sua briga contra sua própria geografia. Um livro indicado para quem é curioso e adora aprender por meio de imagens, boxes e gráficos, descobrindo como montanhas rios e mares influenciam a escolha de líderes e os rumos da história do mundo.

 

O TEMPO ADIADO E OUTROS POEMAS

Ingeborg Bachmann
Todavia Livros

Ingeborg é a principal voz da poesia austríaca no pós-guerra, tendo que manejar a língua germânica após os horrores causados pelos nazistas, a poeta teve como mérito, junto com outros grandes poetas de língua alemã da mesma época como Paul Celan, seu amigo e amante, a reabilitação do idioma que usado de forma banal mascarou genocídios em escala industrial. A poesia de Ingeborg nos traz imagens inesperadas, nas quais o leitor se espanta e se encanta ao mesmo tempo, e também consegue estabelecer o frágil equilíbrio entre uma dicção intrincada e uma representação clara, tanto do mundo externo quanto do interior de seu eu interior. São dignos de nota a tradução e um extenso e dedicado posfácio feitos por Claudia Cavalcanti, responsáveis pela preciosidade que é esta edição.

 

O Templo

Stephen Spender
Editora 34

O Templo, de Stephen Spender, com tradução de Raul de Sá Barbosa, pertence à Coleção Fábula, da Editora 34. Fábula, do latim “fari”, “falar”, dentre diversos sentidos apresenta também àquele que diz: “conto de intenção moral, ficção, não ficção e assim infinitamente; prosa, poesia, pensamento. ” (Posfácio de O Templo).

A narrativa elegante flerta com o erotismo e a fotografia e, também, é permeada de inquietações literárias e políticas. “Horrível, monstruoso, estúpido, apavorante” é o futuro que prenuncia aos alemães, o poeta Paul Schoner, personagem central desse romance, gestado em 1929, após um verão na Alemanha, e publicado, em 1988, na Inglaterra.

A atmosfera de descobertas sobre a sexualidade, o corpo e o prazer do protagonista, inicialmente iluminada pelo sol do verão, ganha contornos sombrios à medida que a narrativa avança. O presente torna-se ameaçador e soturno.

O romance, amplamente autobiográfico, é, sobretudo, “a exultação de jovens escritores em sintonia um com o outro, que sentiam que suas obras, embora independentes, convergiam na expressão da resposta da sua geração à vida. ” p.200, uma história que plasma com beleza e lucidez a singularidade de um momento histórico, quando a Alemanha florescia com certas liberdades de costumes em meio ao nazismo que já mostrava suas faces mais sombrias. Um belo livro, rico na linguagem e tocante no conteúdo.

 

Ismália

Alphonsus de Guimarães
Sesi Editora

Desejo de amor é o significado grego de Ismália, publicado postumamente, em 1923, no livro Pastoral aos crentes do amor e da morte, editado por Monteiro Lobato. Nesse breve poema narrativo, a ação está situada no drama, no trágico, onde se move a personagem Ismália, à noite, à luz do luar, entre a dualidade, corpo e alma, buscando o absoluto, quiçá, o infinito.

Sãos versos de rara beleza que se transformam em formosas aquarelas de tons marrom, pelas mãos de Odilon Moraes, ilustrador sensível à Lírica de Alphonsus de Guimarães (1870-1921), marcada por solidão, isolamento, loucura e morte. O resultado desse trabalho é um pequeno livro-objeto, mimo que se desdobra em quadros, como um acordeom que assobia uma música triste.

Convoco os leitores e leitoras para abrirem o “acordeom”, lançando-se aos versos desse magistral poeta mineiro e descobrirem o que acontece com Ismália...

 

Pinóquio: o livro das pequenas verdades

Alexandre Rampazo
Selo Boitatá, Editora Boitempo

Pinóquio é um boneco de madeira nascido, em 1881, e publicado no Giornaledei Bambini, como o primeiro episódio de Pinocchio una Storia Di Un Burattino, cujas ilustrações foram de Eugenio Mazzanti.

A esse texto original volta-se Alexandre Rampazo, em 2019, para dar vida outra vez ao menino, célebre por adorar contar mentiras, mas que guarda, de fato, um profundo desejo de tornar-se “de verdade”.

Nesta belíssima edição, do Boitatá, as imagens de Rampazo sugerem calma e doçura, conferindo à atmosfera dessa pequena narrativa graça infinita em traços finos e claros, ampliando o texto que condensa possibilidades de descobertas sobre si e o reflexo que recebemos do mundo.

O que a história de Carlo Collodi ainda nos ensina sobre nós mesmos? Embora a mentira não seja o enfoque do texto de Collodi, no momento em que vivemos, não podemos nos furtar de uma pergunta: A mentira define a narrativa? Alguns livros nos ensinam a olhar para o presente. Convidamos leitores e leitoras para esse clássico primoroso, concebido para o público de leitura compartilhada, autônoma, leitor iniciante, ou a todos e todas que buscam boa leitura.

 

A Mercadoria mais preciosa

Jean-Claude Grumberg
Editora Todavia

O que mais impressionou nessa história é como os destinos de personagens tão delicados se cruzam; as decisões do pai, e as respostas que deve dar às perguntas que queimam em seu coração. Ele sabe que suas decisões inauguram terrenos desconhecidos. Um conto belíssimo e perturbador com que nos brinda a robusta Editora Todavia.

Com um procedimento narrativo de linguagem quase infantil, à maneira das fábulas, o narrador nos leva para dentro da floresta onde vive um casal de lenhadores que acompanha intrigado, dia após dia, o vai e vem de corpos amontoados em trens escuros que cruzam a neve clara. São os olhos ingênuos da pobre lenhadora que espera um milagre, um presente, que nos guiam para a ternura, a proteção e o amor absoluto.

É uma história assustadoramente linda sobre o Holocausto, escrita por Jean-Claude Grumberg (1939), autor de consistente produção dramaturga, além de roteirista para diretores como François Truffaut, Costa-Gavras.

Um livro para todas as idades e todos os tipos de leitores.

 

VAMOS COMPRAR UM POETA

Afonso Cruz
Dublinense

Em um mundo dominado por um pragmatismo questuário, no qual são estampados patrocínios de corrimões de escada a pijamas, famílias adquirem artistas como parte do mobiliário da casa para que estes exibam sua arte, como entretenimento nos jantares. A família desta história opta por adquirir um poeta (afinal escultores e pintores causam demasiada sujeira com seus materiais), porém, já dizia Manoel de Barros, o poeta é um apanhador de desperdícios, e apesar de um início de relação harmonioso, aos poucos, a natureza do poeta e das inutilidades de sua poesia entra em choque com o utilitarismo da família, que tem dificuldade com qualquer metáfora, contabilizando inclusive as trocas afetivas. Romance curto e delicioso de ler, no qual Afonso Cruz, um dos mais distintos autores da literatura contemporânea portuguesa, consegue, com raro equilíbrio, iguais doses de humor, crítica social e lirismo.

 

HEIMAT

Nora Krug
Quadrinhos na Cia

Heimat é uma palavra alemã de difícil tradução, pode significar conjuntamente "lar", "pátria", "terra natal", mas vai além porque traz em si uma sensação de nostalgia de uma paisagem ou local que inspira familiaridade. Partindo desse termo complexo, Nora Krug constrói uma magistral HQ: sendo alemã morando doze anos fora da Alemanha, ela decide retornar a seu país de origem e procura entender suas raízes e seu pertencimento em relação à cultura alemã. Buscando documentação de seus antepassados, irá se confrontar com a participação de seu avô e de seu falecido tio na Segunda Guerra, será que é possível viver o espírito alemão após os horrores do Holocausto? Não devendo nada a uma grande obra de literatura, com o acréscimo de um projeto visual primoroso, que une desenhos a colagens com fotos e documentos de época, Heimat é altamente recomendável para todos que gostam de histórias, sejam elas históricas, literárias ou em quadrinhos.

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